segunda-feira, 10 de março de 2008

Lacerdinha no olho arde.

Quando eu era criança ficava impressionado com o medo da morte rondando o Globo da Morte. Nunca entendi direito por que as pessoas gostavam tanto do Globo da Morte se ninguém morria. O globo era feio, de um metal escuro, as motos 2 tempos liberavam uma fumaça branca horrível e o som daquilo mais parecia uma serra elétrica. O Globo da Morte, a rede Globo, a água sanitária Super Globo, o globo ocular, o globo pintado num tecido atrás de mim na minha foto da 4ª série, tantos globos no mundo, na terra ou seja no globo. Me chamava a atenção a relação das palavras. O Globo da Morte me lembrava mais o globo que morte e Globo lembrava a água sanitária, que minha mãe chamava de Cândida e eu lembrava da dona Cândida funcionária do grupo escolar que eu estudava em São Caetano do Sul: o quase centenário Senador Flaquer, que sempre me lembrou uma mistura infeliz de aveia em “flocos” e Quaker, parece ridículo eu sei, mas era assim mesmo. Depois estudando no Colégio Estadual do Bairro Fundação, que por estar a 7 metros do Rio Tamanduateí me soava como Colégio Estadual do Bairro da Inundação.

Tantas palavras com duplo sentido para todo mundo, mas dentro da minha cabeça tomavam novas formas, novos sentidos. A infância em São Caetano, com suas ruas cinzas, tristes de se ver, mas muito felizes de se brincar me abria os olhos para um futuro que eu jurava seria muito mais feliz. Interrompido às vezes quando me caia uma “lacerdinha” no olho, e olha como ardia. Minha mãe falava para não usar amarelo que as atraiam. Este futuro chegou, fui morar lá no interior, onde nas férias tantas vezes fui no circo ver o Globo da Morte onde ninguém morria, onde as ruas eram claras, azuis como em uma embalagem de sabão em pó. Eu nasci de novo em uma nova cidade. E fui estudar no Lacerdinha, e não preciso falar né, que todo dia invariavelmente diante do nome da escola, confesso, uma ardidinha no olho de saudades sempre acontecia.

*A Escola Moura Lacerda, mantinha uma unidade só para o segundo grau no centro de Ribeirão Preto. Por ser menor que o campus onde tinha a Faculdade e o segundo campus em construção na época, apelidaram carinhosamente no diminutivo .Hoje acho que no local funciona uma Casas Bahia ou um Bradesco.

Um comentário:

Unknown disse...

Eu procurava saber sobre o "Lacerdinha".
Quando menina o "lacerdiha" enfernizava meus olhos. A sociedade ardia, mas só lembro do tal do mosquito...
Ainda terei que investigar tudo sobre isso, pois estou escrevendo um texto sobre minha infância. Achei alguém que sentiu inocentemnente com eu tal época.
Nossos olhos arderam lá. Hoje ardem cá...